O Crédito Rural mais do que um simples empréstimo; ele se configura como uma ferramenta estratégica e um direito do produtor rural, essencial para o desenvolvimento sustentável da atividade agrícola no Brasil. Sua importância é tamanha que ele possui respaldo direto na Constituição Federal, em seu artigo 187, sendo reconhecido como uma política pública vital para o desenvolvimento do setor e a segurança alimentar nacional.
Criado com o propósito de oferecer condições diferenciadas e justas aos agricultores, ele tem uma natureza especial garantida pela Lei nº 4.829/1965 e regulamentado por normas importantes, como o Decreto nº 58.380/1966, o Decreto-Lei nº 167/1967, a Lei nº 8.171/1991 e o Manual de Crédito Rural (MCR). Essas normas garantem ao produtor o acesso a juros controlados, prazos de pagamento compatíveis com os ciclos produtivos e mecanismos de garantia simplificados, visando amparar todas as etapas da produção, do plantio à comercialização.
Contudo, a prática revela um desvio preocupante: bancos frequentemente substituem a tradicional Cédula de Crédito Rural (CCR), com suas proteções legais específicas, pela Cédula de Crédito Bancário (CCB). Essa substituição, embora pareça sutil, acarreta perdas expressivas para o produtor rural. A CCB não oferece as proteções importantes do crédito rural, como a limitação de juros e a flexibilidade para renegociações em caso de eventos adversos, como perdas climáticas ou de mercado. Além disso, caso surja uma oportunidade de securitização com prazos estendidos e juros reduzidos, o produtor vinculado à CCB pode não ter acesso, por estar fora do escopo do crédito rural.
O mais preocupante é que muitas vezes o produtor nem percebe que está assinando algo diferente. Confia no gerente, acredita que está tudo dentro das regras do crédito rural e só vai descobrir a armadilha quando enfrenta dificuldades para pagar. A descoberta da armadilha ocorre tardiamente, ao enfrentarem dificuldades de pagamento, encontrando-se presos a condições desfavoráveis, muitas vezes sem a devida orientação e sem saber que poderiam ter exigido a Cédula de Crédito Rural.
Essa imposição de Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) no lugar das Cédulas de Crédito Rural (CCRs) não é apenas uma questão de má-fé comercial; trata-se de uma prática ilegal e judicialmente contestável. O sistema judiciário brasileiro reconhece essa manobra como uma distorção inaceitável, dada a natureza de interesse público e a regulamentação específica do crédito rural.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em decisões reiteradas, já estabeleceu a nulidade da substituição da CCR pela CCB quando desvirtua a finalidade do financiamento, por violar normas de ordem pública que regem o setor. Isso significa que o produtor rural que foi levado a contratar uma CCB sob a crença de estar acessando crédito rural tem o amparo legal para buscar a correção dessa injustiça na Justiça. Ele pode exigir o reenquadramento da dívida nas condições legítimas do crédito rural, garantindo a aplicação dos juros e das vantagens legalmente previstas.
Portanto, a vigilância é a maior aliada do produtor rural. É imprescindível analisar atentamente os documentos apresentados, conhecer seus direitos e procurar assessoria jurídica especializada diante de qualquer dúvida ou suspeita de irregularidade. O crédito rural é um direito arduamente conquistado e legalmente protegido para impulsionar a produção nacional, não podendo ser desvirtuado por práticas bancárias que visam apensa maximizar lucros, em detrimento daqueles que sustentam a alimentação do país.
Eduardo Kümmel
Advogado – Diretor da Kümmel Gestão Rural